Já foi o tempo em que as empresas podiam buscar bons resultados financeiros sem considerar os efeitos da sua atuação no meio ambiente, nas comunidades que as cercam e diante dos diversos públicos com os quais se relacionam e das atividades que realizam.
Nos últimos anos, a preocupação ambiental se tornou primordial devido ao agravamento das condições climáticas do mundo, e, assim, o tema ESG começou, aos poucos, a entrar no dia a dia das corporações.
O que é ESG?
A sigla ESG faz referência a três aspectos que empresas responsáveis devem levar em consideração ao tomar decisões: ambiental, social e de governança (environmental, social and governance, em inglês).
O termo foi criado em 2004 em um documento divulgado pelo Pacto Global da ONU (Organizações das Nações Unidas) em parceria com o Banco Mundial, chamado Who cares wins, Ganha quem se importa, em tradução livre.
Quando a publicação foi lançada, o então secretário-geral da ONU, Kofi Annan, fez a provocação a presidentes de grandes instituições financeiras sobre como integrar fatores ambientais, sociais e de governança no mercado de capitais.
“Uma empresa que está em conformidade com práticas ESG entende quais são seus impactos negativos e positivos na sociedade e consegue agir sobre eles. É necessário minimizar os negativos e potencializar os positivos, assim como equacionar os prejuízos já provocados”, afirma o Pacto Global da ONU no Brasil.
E complementa: “ESG não é uma evolução da sustentabilidade empresarial, mas sim a própria sustentabilidade empresarial”.
A adoção de ações orientadas pelos princípios do ESG é vista hoje como um elemento de modernidade na administração das empresas.
A incorporação de questões socioambientais ou de princípios éticos relacionados a investimento é, porém, uma prática centenária, iniciada no século XVIII, destaca a Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais).
Os primeiros fundos de investimentos com uma temática ESG, diz a associação, surgiram na França, em 1928, na Suécia, em 1964, e nos Estados Unidos, em 1971.
Na década de 1990, foi lançado o primeiro índice ESG, o Domini 400 Social Index tracked), e o primeiro rating ESG de empresas, segundo a entidade.
O que significa governança corporativa?
Parece mais simples entender o que significam as letras E e S do ESG. Mas e o G? A última letra da sigla se refere ao “sistema pelo qual as empresas e demais organizações são dirigidas, monitoradas e incentivadas”.
Isso é o que diz o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa, o IBGC, criado em novembro de 1995.
A governança envolve relacionamentos entre sócios, conselho de administração, diretoria, órgãos de fiscalização e controle e demais partes interessadas.
Segundo o IBGC, uma empresa que siga boas práticas de governança consegue converter princípios básicos em ações objetivas, preservando o valor econômico da companhia e contribuindo para sua longevidade.
Princípios básicos de governança corporativa
O IBGC destaca quatro princípios básicos de governança corporativa. O primeiro deles é transparência.
Por lei, empresas que são sociedades anônimas são obrigadas a divulgar informações ao público – principalmente resultados financeiros.
No entanto, se uma companhia vai além do exigido e publica informações adicionais, que interessem a outras partes, está agindo de acordo com o princípio da transparência.
A ideia é que, ao jogar mais luz sobre suas ações e decisões, a companhia permite uma avaliação mais adequada sobre seu desempenho e melhora na imagem da empresa.“A reputação positiva pode minimizar os custos de transação pela redução do custo de capital ao fomentar confiança”, diz o IBGC.
O segundo princípio de governança é a equidade. Ou seja, o tratamento “justo e isonômico” de todos os acionistas e demais públicos com os quais a empresa se relaciona, sempre levando em consideração os respectivos direitos, deveres, necessidades, interesses e expectativas.
Uma companhia com ações que tenham o mesmo direito de voto, por exemplo, se enquadra neste princípio, ao garantir que todos os sócios terão direitos proporcionais.
A prestação de conta – ou accountability – é outro princípio, assim como a responsabilide corporativa.
A ideia é que as empresas e seus dirigentes reportem o que estão fazendo e arquem com as consequências das decisões, diminuindo os impactos negativos dos negócios e potencializando os positivos.
Princípios ambientais (E)
O critério ambiental está relacionado a gestão de resíduos, o uso de fontes de energia renováveis, e posicionamento da empresa em relação a questões de mudanças climáticas e emissão de carbono, poluição do ar e da água, desmatamento e biodiversidade.
Esse aspecto também se relaciona à gestão de terras que possui, de forma a haver ações de melhoria com vistas à preservação da flora e da fauna, por exemplo.
Princípios sociais (S)
O critério social leva em conta as relações da companhia especialmente com os seus funcionários, fornecedores e comunidades da região de atuação.
Entre os fatores considerados, estão a atenção aos direitos humanos e às normas trabalhistas, à proteção de dados e privacidade e a gênero e diversidade.
Quais os objetivos do ESG
Em 2004, quando o termo surgiu no documento da ONU, o objetivo era endossar a perspectiva de que, ao se preocuparem com os controles de governança e com os impactos no meio ambiente e na sociedade, as empresas teriam mais sucesso.
Isso porque as companhias com este tipo de mentalidade tendem a mapear e gerenciar melhor riscos e mudanças regulatórias, acessar novos mercados e contribuir para o desenvolvimento nas regiões em que operam, segundo as instituições que endossaram o relatório do Pacto Global.
Hoje em dia já há diretrizes e manuais mais completos sobre que tipo de práticas deve ser seguida para que uma empresa possa ser considerada como adepta dos princípios de ESG.
O que define uma empresa ESG?
O que faz as empresas serem reconhecidas nesse segmento como agentes de ações de ESG é a inserção, em suas estratégias e ações, de elementos que respondam às preocupações com a governança corporativa e com os impactos ambientais e sociais da companhia.
Isso costuma se manifestar na publicação de uma agenda ESG por parte das empresas, ou na divulgação de compromissos específicos e mensuráveis que girem em torno destes três aspectos.
Em empresas de capital aberto, o relatório de sustentabilidade costuma ser o documento que apresenta estas ações ao público.
Quais são as vantagens do ESG para as empresas?
Com a atenção maior dada às iniciativas de ESG por investidores, as empresas ganharam um incentivo extra para mergulhar em iniciativas e projetos que contemplem o tema. Há fundos, por exemplo, que só investem em companhias que estejam vinculadas a esta agenda.
O obstáculo à expansão deste tipo de investimento, porém, está na falta de um critério universal capaz de indicar quais empresas cumprem os padrões ESG, o que força os investidores a criarem metodologias próprias.
“A tendência é, todavia, geralmente positiva, com empresas apresentando um fluxo de retorno de qualidade e mais estável a longo prazo e investidores capazes de identificar esse valor antes da sua precificação pelo mercado”, afirma a Anbima no Guia ASG II – Aspectos ASG para gestores e para fundos de investimentos.
Como escolher um investimento focado em ESG?
Para o investidor interessado neste universo, há indicadores que ajudam a escolher empresas que aderiram ao conceito. A B3 possui o Índice S&P/B3 Brasil ESG, criado em setembro de 2020 em parceria com a S&P Dow Jones, que pode servir de base para a tomada de decisão sobre o investimento.
De acordo com a Bolsa, o índice mede a performance de ações que cumprem critérios de sustentabilidade e é ponderado pelas pontuações ESG da S&P DJI.
O indicador exclui ações com base na participação em certas atividades comerciais no seu desempenho e empresas sem pontuação ESG nas medições da S&P.
A B3 também possui outro índice de ações que inclui empresas que atendem aos critérios ESG, o Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE B3).
Além do ISE, há o IGPTW B3. O índice foi elaborado de acordo com os rankings que mostram as companhias certificadas e as melhores empresas para trabalhar, ambos preparados pela consultoria global Great Place to Work (GPTW).
A iniciativa apoia as decisões de investimento voltadas para empresas que estão atentas à discussão a respeito da relação entre as pessoas e o desenvolvimento dos funcionários, o que gera também um impacto positivo nos negócios, destacou a B3.
E existe ainda um terceiro indicador, o Índice Carbono Eficiente (ICO2 B3). Criado em 2010, o indicador, desde o início, teve como propósito ser um instrumento indutor das discussões sobre mudança do clima no Brasil, segundo a Bolsa.
A adesão das companhias ao ICO2 “demonstra o comprometimento com a transparência de suas emissões e antecipa a visão de como estão se preparando para uma economia de baixo carbono.”
A incorporação desses fatores na política de investimento de um fundo “complementa as avaliações tradicionais, ao destacar os riscos que não são capturados pela análise financeira tradicional, principalmente os de longo prazo, tornando o diagnóstico mais robusto e eficaz”, afirma a Anbima. Em outros mercados, esse tipo de investimento também pode ser designado como “investimento responsável”, segundo a entidade.
Por que o mercado financeiro valoriza o ESG?
Atreladas ao investimento responsável, as questões ESG passaram a ganhar relevância na escolha de um investimento. O critério se junta à avaliação do desempenho operacional de uma empresa.
Publicado em 2022, o guia “Sustentabilidade e Gestão ASG: Como Começar, Quem Envolver e O Que Priorizar”, afirma que os conceitos de responsabilidade social e de sustentabilidade empresarial partem da premissa de que entidades, públicas ou privadas, têm compromissos com a sociedade que vão além do cumprimento de suas obrigações legais, destaca a B3.
Vale lembrar aqui que a sigla ASG é a versão em português para ESG, fazendo referência aos termos ambiental, social e governança.
“Essa compreensão vem se concretizando no mercado de capitais, especialmente por meio de regulações e demandas crescentes de investidores e gestores de recursos acerca de temas socioambientais”, aponta a Bolsa.
Para esse público, o ESG orienta como um negócio deve ser avaliado também por esses fatores, “e não só pelos critérios e indicadores usuais do mercado, como rentabilidade, competitividade, solidez, níveis de endividamento etc.”
A B3 aderiu ao Pacto Global da ONU em 2005. O movimento sinalizou que a sustentabilidade não se prestava apenas a melhorar as condições da sociedade e do meio ambiente, mas também contribuía para adicionar valor de longo prazo às empresas e acionistas, segundo a Bolsa.
“Investidores e analistas estão cada vez mais atentos também à maneira como as empresas lidam com as questões socioambientais e de governança corporativa, passando a incorporar critérios correlatos nas análises de investimentos, na gestão das carteiras (de ativos) e na tomada de decisões”, diz o Guia de Sustentabilidade da BM&F Bovespa, nome da bolsa brasileira antes da fusão com a com a Cetip (Central de Custódia e Liquidação Financeira de Títulos), que formou a B3.
Por isso que transparência, ética e respeito aos investidores são tópicos que fazem parte do mercado de capitais. Muitas empresas levam esses quesitos a sério para se diferenciar das demais e, assim, ganhar mais destaque nos índices.
Níveis de governança corporativa
Nesse cenário de valorização da adoção de práticas de ESG, a listagem de empresas nos chamados níveis de governança corporativa da Bolsa pode contribuir para a maior confiança do investidor.
Com objetivo de facilitar o entendimento de diversos públicos e promover a adoção do tema, a Bolsa criou classificações para as empresas listadas de acordo com as práticas de governança com os seus acionistas.
Os níveis de governança existentes na B3 estão divididos de acordo com a transparência dos dados das empresas com os investidores e do mercado em geral.
Novo Mercado
Esse segmento foi criado nos anos 2000 e exige os mais altos níveis de governança. Atualmente, é a principal referência de transparência no mercado de capitais.
As companhias listadas nesse nível só podem emitir papéis ordinários (com direito a voto).
Nível 2
O Nível 2 é muito parecido com o Novo Mercado, no entanto, as empresas podem emitir ações preferenciais.
Além disso, no caso de venda de controle da companhia, é assegurado aos detentores de ações ordinárias (ONs) e preferenciais (PNs) o mesmo tratamento concedido ao acionista controlador. Com isso, os investidores têm acesso ao chamado direito de tag along de 100% do preço pago pelas ações ordinárias do acionista controlador.
Nível 1
Esse nível tem menos exigência em relação aos anteriores. O único requisito solicitado pela B3 é apresentação de algumas informações adicionais e garantir 25% dos ativos em circulação no mercado.
Bovespa Mais – H4
É um nível para pequenas e médias empresas que almejam entrar no mercado de forma gradativa. A empresa listada neste segmento pode realizar sua oferta pública de ações (IPO, na sigla em inglês) em até sete anos.
Bovespa Mais Nível 2 – H4
O segmento de listagem Bovespa Mais Nível 2 é similar ao Bovespa Mais, com algumas exceções.
Assim como no Nível 2, as empresas listadas têm o direito de manter ações preferenciais (PN) e, no caso de venda de controle da empresa, é assegurado aos detentores de ações ONs e PNs o mesmo tratamento concedido ao acionista controlador.
“Todos esses segmentos prezam por regras de governança corporativa diferenciadas. Essas regras vão além das obrigações que as companhias têm perante a Lei das Sociedades por Ações (Lei das S.As.) e têm como objetivo melhorar a avaliação daquelas que decidem aderir, voluntariamente, a um desses segmentos de listagem”, destaca a B3.
A Bolsa possui ainda o Segmento Básico, listagem que não conta com regras diferenciadas de governança corporativa.
Como está a adesão das empresas ao ESG no Brasil?
Um estudo de fevereiro de 2023 mostrou que 78,4% de 190 organizações da área privada, do setor público e do terceiro setor no Brasil haviam inserido o tema no desenvolvimento das estratégias de negócio.
Realizado pelo Pacto Global da ONU no Brasil, em parceria com a Stilingue, plataforma de monitoramento digital, e a consultoria Falconi, o levantamento apontou que a maior inspiração para a implementação de uma agenda ESG é a preocupação com os impactos ambientais e uma economia sustentável.
Por enquanto, porém, o maior impacto notado por 70% das empresas que realizaram projetos com esse foco é reputacional.
Além disso, o estudo mostrou que o fator menos apontado pelas entrevistadas foram as exigências do consumidor em relação ao tema. Ou seja, a maior parte dos setores, incluindo indústria, comércio e serviços ainda não percebe uma demanda expressiva desse público a respeito de ESG.